Os brinquedos junto aos
processos, os desenhos de colorir e a caixa de lápis de cor em frente ao
computador denunciam presença diferente no expediente inóspito do labor
cotidiano, ainda que seja de onde vem o ganha pão, pra ele o lugar é um parque
de diversão, as cadeias giratórias viram logo um carrinho ou um avião e os
elásticos de processos são a faixa perfeita para caracterizar o ninja.
O dia começou cedo e foi bem
cheio. Reflito a caminho de casa sobre os acontecimentos idos. A memória me
remete a palestra do dia anterior, sobre a velocidade dos tempos, a dinâmica da
historia, transformação da sociedade e a impermanência da vida.
Fomos a uma sessão de terapia
infantil. Tudo muito lúdico e colorido. Confesso alguma dificuldade em entender
os conflitos ou os problemas existenciais de crianças de 0 a 7 anos, principalmente
porque acredito que os filhos acabam sendo o reflexo da nossas frustrações, da
nossa ansiedade, daquela tristeza que carregamos nos olhos, mesmo quando o
abraço mais carinhoso nos envolve o corpo.
Pra ele foi à continuação do
parque de diversão do período da manhã. Pra mim é desconcertante, mas é preciso
entender as lacunas que não consigo preencher ou saber se fui eu quem as abriu
em coração tão frágil. Outras crianças, outras mães, outros problemas que eles
me fazem pensar: se a vida é impermanente porque estamos ali?
Tudo haverá de passar, isso é tão
certo quanto o tempo é imprevisível. Como viver a incerteza temporal? Se
considerarmos a impermanência da vida e a minha própria natureza, que precisa
entender pra viver plenamente, mais fácil seria enlouquecer junto com o mundo.
Ta aí, talvez seja uma solução.
Fico vendo a velocidade dos
carros pelo vidro do ônibus, enquanto ele dorme tão tranquilamente. É um
contraste e tanto, dentro do caos em que transita a vida urbana em qualquer
hora do dia ou da noite, ele simplesmente dorme.
Contrastando com a palestra de
ontem, tenho a sensação que minha vida gira em torno do permanente. Nas
relações que vamos estabelecendo um com o outro a cada dia, nas coisas que
vamos aprendendo juntos: eu a paciência em ouvir todas as histórias e ele em me
ver atrasada todas as manhãs. Permanente são o compromisso e responsabilidade
que a maternidade impõe a quem pariu.
Eu e ele. Permanentemente juntos.
A companhia de todas as horas, no mercado, na praia, na novela, nas refeições,
nas dificuldades cotidianas...
Hoje uma amiga falou que está
ficando velha pra esse mundo de coisas tão absurdas. Eu concordo com ela, mas
enquanto eu também envelheço, ele cresce exposto nesse mesmo mundo de coisas a cada
dia, mais e mais absurdas, com o agravante que é impossível não deixa-lo
crescer ou tomar contato com essa realidade.
Da impermanência do permanente
caos, fica a necessidade de estar permanentemente ligada às pequenas coisas, como
o cultivar o amor, regar a cumplicidade, afinar a confiança e podar os limites
da condescendência, para simplesmente sobrevivermos.
Poder colher flores e frutos de
um relacionamento sólido e saudável, coisa tão rara no cotidiano que não nos
permite ser, nem estar inteiros de verdade, é coisa pra poucos e corajosos, que
contrariando impermanência da vida permanecem fies ao mel e ao fel daqueles que amam.
T.