O perigo dos desejos
É ele pensei. Ouvi uma voz ao longe.
Nunca havia visto você. Um homem alto, de terno, negro. Viril eu diria, pensei: “Vou levá-lo para minha cama”.
Envergonhei - me. Esse tipo de pensamento não faz parte do meu repertório. Almoçamos,
cumprimos agenda. A caminho do aeroporto um fio de saudade começou a ser tecido
em meu coração.
Uma cólica me nocauteou, só me restava
ir para casa. Deitada acompanhada de chá de camomila e buscopan atendi ao
telefone e uma voz preocupada perguntava o que havia acontecido, o que eu
tinha, se tinha ido ao hospital, eu me reservei o direito de perguntar: Quem é?
Pra minha surpresa era ele, dizendo
que chegaria no outro dia para uma reunião, como aconteceria tantas vezes e que
ele achava importante que eu o acompanhasse. Eu? Anotei o endereço, ao lado de
casa, não me custaria nada e seria num restaurante que eu adoro a comida. A
hora marcada ele chegou, com uma jaqueta do exercito e toda pressa que lhe é
peculiar. Abraçou-me e ali dentro daquela jaqueta verde, fiquei arrebatada. Dia
15 de novembro de 2008.
Um sumiço de final de ano e um
telefonema as 06h00min horas da manhã para dar inicio a uma historia apaixonada
de um homem e uma mulher.
Difícil. Casado, três filhas, um
casamento acabando. A liberdade batendo as portas e o convidativo sol de
Salvador pronto a entregar-lhe as chaves. Como resistir aos encantos e aos
perigos de uma paixão, assim de chofre caindo no seu colo?
Uma brisa cálida a envolver-lhe,
um lugar de paz, o seu lugar de paz. Um coração jovem e apaixonado disposto a
comprar essa fatura vencida e enfrentar o mundo para viver isso, que nem esse
tal coração sabia o que era. Sabia que queria.
Foram telefonemas e emails
trocados. As filhas e a família tudo há seu tempo. Cartão fidelidade da Tam, da
Gol e da novata Webjet. A ex - mulher, a fuga da mudança e o abrigo carinhoso
da tia querida. Assim fomos indo. Fizemos planos. Você arrumou uma casa.
Comprei cada coisinha que minha imaturidade e o centro de Itaboraí permitiram,
panelas, tapete de banheiro, lençóis e toalhas caríssimas, faltou o roupão,
chorei na loja. Você ficaria lindo!
Finalmente você perguntou se eu
queria casar com você. Fiquei estarrecida. Você queria casar comigo! Aquele
homem viril que poderia carregar o mundo com os polegares queria casar comigo?
Sim comigo, lembrei da minha mãe falando que homem nenhum casaria comigo, meu
mau gênio e minha tão alardeada independência, assustaria qualquer um.
Foi num quarto de hotel.
Estávamos deitados, ou melhor, eu estava deitada em cima de você. A pergunta
foi simples: Quer casar comigo? Ainda perguntei: Tem certeza?
Você me beijou. Daí pra frente foi uma loucura só. A casa dos meus pais, a
intensificação dos cartões fidelidade, uma crescente de emoções e distâncias.
Essa maluquice toda foi comigo.
Na verdade nunca soube como você se sentia em relação a tudo isso, apesar dos
meus longos emails sobre tudo, pouco você me respondia e quando estávamos
juntos, nada existia além das grandes janelas do apartamento do Canela.
Fim de ano. Listas de Presente.
Ninguém contava com uma criança. Sim, estava grávida. Você vai ser pai. Como
dantes, em tantas outras coisas, nunca soube o impacto disso em sua vida. Você
parecia feliz. Me chamava de mãe mais linda da Bahia.
Eu queria morrer de desespero.
Como grávida?
Como assim?
Passei um natal em uma tormenta interna. Suas mãos me seguraram e você me
garantiu que ficaria ao meu lado fosse a decisão que eu tomasse. Ano novo
passei de verde e amarelo, mesmo assim passei por outra crise e cai nos braços
da minha família, onde carinhosamente fui reconduzida a sanidade e as
responsabilidades que um aborto me trariam principalmente emocionalmente.
De volta a Salvador, passei os
nove meses, super assistida. Nunca tive um enjôo ou desejo. Minha terapeuta
disse que foi a forma que meu subconsciente encontrou de me proteger da falta
que você fez e como você me fez falta. Fiz um barrigão, como diz lá na
terrinha. Suas visitas sempre carinhosas e preocupadas.
A única vez que me senti
preterida pelo seu silêncio, você me contou a história de Davi. Foi no dia que
soubemos o sexo do bebê e escolhemos seu nome. Davi, escolhido pelo coração de
Deus, onde você emocionado, me pediu para não julgá-lo pelo que vejo, mas
tentar imaginar pelo que você passa e muitas vezes não consegue sentir.
Choramos.
Finalmente as contrações, uns 10
dias antes do previsto. Fui para maternidade você não havia chegado. Davi
nasceu as 23:00 horas, exatamente a hora que seu avião pousou. Falei para minha
mãe, assim que ela me avisou da sua chegada, estava na mesa do centro
cirúrgico: Davi adivinhou, esse viadinho queria chegar junto com o pai.
De azul e com seu melhor sorriso,
você me beijou na testa e feliz pegou seu filho, o varão dos Monteiros no colo.
No outro dia a certidão de nascimento plastificada e com direito a cópia para
avó. O que se segue são as minhas cobranças, as minhas dores, toda falta que
senti de você e 300 reais no armário. Era o inicio do fim, ainda assim, as
malas foram arrumadas, a mudança providenciada e numa conversa a 2 dias antes
de finalmente vir morar com você em São Gonçalo, nossa relação sofreu um abalo
que não teve desculpas ou esparadrapos que pudessem curar a ferida.
Ainda teve a internação de Davi,
meu Deus como sobrevivemos a tudo isso? Minha mãe falou certa vez que eu forcei
a barra para casar com você depois que engravidei. Fiquei ofendida. Ela tinha
razão. Descobri tarde demais.
Eu quis você desesperadamente sem
ter a noção exata do que isso poderia significar sem a proteção das grandes
janelas do apartamento do Canela.
Ainda assim, mesmo sem saber como
foi esse vendaval chamado em sua vida, mesmo sabendo que nunca saberei o que
significou esses três anos para você, vivemos uma grande história e como não
poderia deixar de ser nosso final feliz se chama Davi.
T.